sábado, 15 de agosto de 2009

A tirania do MS PowerPoint® – Usos e abusos da tecnologia 1

Indagar sobre os possíveis abusos do PowerPoint e suas conseqüências negativas para o desenvolvimento do intelecto pode parecer quase uma heresia nos tempos que correm, dada a onipresença das apresentações de relatórios de pesquisa geradas por softwares de apresentação, dentre os quais o PowerPoint é o principal representante (1). É fato no mundo dos negócios que praticamente todo relatório, proposta ou mesmo aula em escolas de Administração contenham em algum momento uma apresentação em PowerPoint. Mas será que alguém procurou investigar a eficiência dessa tecnologia e seus impactos na audiência e na forma em que os conteúdos são gerados? A resposta é: sim já existem pesquisas empíricas sobre o tema, embora elas estejam mais voltadas para o universo do ensino e para o mundo acadêmico, ainda assim elas podem nos proporcionar insights valiosos.

Neste post desejo comentar o ensaio do professor Yiannis Gabriel da Royal Holloway University of London, cujo título já deixa antever o tom crítico do material: "Against the Tyranny of PowerPoint: Technology-in-Use and Technology Abuse"(2) (traduzindo livremente: Contra a tirania do PowerPoint: Usos e abusos da tecnologia).

O ensaio parte da seguinte premissa: mais do que automatizar tarefas, aumentar a eficiência e acrescentar estilo na preparação de relatórios, apresentações e aulas, o PowerPoint – como representante de tecnologias de informatização – funciona como um artefato cultural capaz de redesenhar a própria tarefa e seus objetivos, introduzindo mudanças na maneira de pensar, construir conhecimento, compartilhar informações e de interagir. Partindo de experiências pessoais o professor Yiannis analisa os usos e eventuais resultados adversos que a aplicação do software pode acarretar tanto para a audiência como para o apresentador e que incluiriam principalmente 3 aspectos:

  • Fragmentação do conhecimento em marcadores (bullets points) – o que pode levar a uma supersimplificação do conhecimento, à superficialidade analítica e à fragmentação do conhecimento. Como teste, experimente transformar uma apresentação com listas de marcadores em texto corrido. Não raro ficarão evidentes erros de encadeamento lógico, "pulos" na argumentação que demandariam mais etapas e clarificação entre outros;
  • Dependência de suporte visual para acobertar fragilidades de análise – devido aos recursos visuais do software é comum que relatórios superficiais e, até mesmo tolos, venham emoldurados em layouts sofisticados e recheados de imagens chamativas que procuram acobertar aquelas fragilidades com uma "aura" de seriedade e profissionalismo;
  • Linearidade forçada na argumentação - que poderia limitar a capacidade de improvisação, digressão e na criatividade por impor uma maneira estreita de apresentar o material sem abrir espaço para o imprevisto, o diálogo e a novidade.

Yiannis afirma que por vivermos em uma sociedade obcecada pelas imagens e pelo espetáculo, as apresentações em PowerPoint podem ser comparadas com o hábito de assistir TV. Em outras palavras, a audiência de uma apresentação tende a observar e absorver passivamente e sem crítica as imagens e os conteúdos, muitas vezes recheados de mensagens subliminares. Assim, a experiência de consumir informações, relatórios e aulas seria uma extensão da experiência de consumo de shows e programas de televisão. Nas universidades, isto seria uma decorrência do fenômeno da "comercialização da educação superior" que o professor Yiannis jocosamente denomina 'McUniversities' (p. 258).

Indo mais fundo na crítica, outro professor de design de informações - Edward Tufte, da Universidade Yale, chega a acusar o PowerPoint de ser responsável pela estupidificação e aborrecimento das platéias. Tufte em tom de zombaria afirma: "O poder corrompe e o PowerPoint corrompe totalmente".

Usos criativos ou "paragramáticos" da tecnologia

Contudo, Yiannis não concorda com esse tipo de crítica radical e acredita ser possível empregar os softwares de apresentação de maneira a transformar uma palestra ou aula em um evento capaz de eliciar na audiência e no apresentador o desempenho de papéis mais críticos, criativos e ativos o que ele denomina de um uso "paragramático" da tecnologia, que seria um uso menos linear, simplificador ou "programático". De fato, para ele o software tanto pode ser imbecilizante e induzir passividade mental como eliciar o pensamento ativo, crítico e criativo, o que dependeria do uso ou da maneira como a tecnologia é empregada.

(1) Segundo o site PC Advisor, em 2003 as vendas do PowerPoint sozinho superaram 1 bilhão de dolares. Naquela época o PowerPoint era utilizado por mais de 500 milhões de pessoas espalhadas pelo mundo e, segundo estimativas, mais de 30 milhões de apresentações preparadas no PowerPoint eram realizadas todos os dias.

(2) Gabriel, Yiannis. Against the Tyranny of PowerPoint: Technology-in-Use and Technology Abuse. Organization Studies 29(02): 255–276, 2008, SAGE Publications.

2 comentários:

Karin disse...

Hummm... Como professora, vejo que será difícil nos livramos dessa muleta visual. Acredito que ela tem contribuições válidas, como a exposição de esquemas visuais que não poderiam ser feitos no quadro porque dependeriam de talento para o desenho (algo que não possuo). Mas também tenho que concordar com seu potencial imbecilizante. Meu pequeno truque contra a ditadura do ppt é colocar todo e qualquer conceito que seja de suma importância para a atenção dos estudantes apenas no quadro. Como o quadro é "apagável", os estudantes tendem a ficar mais atentos e a tomar nota desses conceitos com maior afinco, uma vez que a informação do quadro é perecível e não estará mais disponível em alguns minutos. Como quase tudo na vida, há de se perseguir o equilíbrio: um pouco da beleza e da praticidade do ppt e um pouco das outras ferramentas visuais e de conteúdo.

Anônimo disse...

No que diz respeito ao ensino, a utilização dessa ferramenta deve tão somente ancorar a apresentação da aula. O professor deve entender que o uso de ferramentas tecnológicas o coloca na função de um "facilitador" do processo de ensino e aprendizagem, daí todo cuidado é pouco para não virar um professor ppt.